José
Roberto Torero
Era
a festa anual dos deuses, que este ano aconteceu em Asgard, onde o arco-íris é
ponte.
Odin,
o anfitrião, desfilava com todo seu garbo, usando tapa-olho na vista direita e
piscando para os amigos com o olho esquerdo. Já seu filho Thor, por conta do
filme Os Vingadores, distribuía autógrafos aos outros convidados.
Num
canto, Xangô, Zeus e Tupã comparavam seus raios para ver quem tinha o maior.
Noutro, Ganesha, com sua cabeça de elefante, conversava com Rá, com sua cabeça
de falcão. Na varanda, Ceci e Diana falavam sobre a Lua, enquanto Quetzacoatl
tomava um chocolate.
No
jardim, Itzamna, o deus maia, trocava ideias sobre sacrifícios humanos com
Viracocha, o deus inca. E Ahura Mazda, o deus do zoroastrismo, cochichava no
ouvido de Deus (ou Javé, ou Alá, dependendo de sua preferência):
-
Sabe?, sem mim você não seria nada. Antes era uma tremenda bagunça.
- É
verdade, mas eu fui muito mais longe. Enquanto você ficou ali pela Pérsia, eu
me espalhei pelo mundo.
-
Ok, mas não esqueça que graças a mim é que começaram a pensar num deus único. E
num paraíso, no juízo final e num messias.
-
Pode ser. Mas eu é que entendo de mercado. Tenho o judaísmo, o cristianismo, o
islamismo e o espiritismo. Dividi para conquistar.
-
Não se gabe muito. O ateísmo está crescendo. Até no Brasil. Lembra daquele
país?
-
Claro. Diziam que eu era de lá.
-
Pois é, no Brasil o time dos sem-religião vem aumentando muito. Mais que
o grupo dos evangélicos.
-
Mesmo sem aquelas músicas ruins e as ex-atrizes pornôs?
-
Mesmo. Na década de 1960, os sem-religião representavam 0,5% da
população. Em 2003 este grupo já havia alcançado 5,1% e, em 2009, 6,1%. E agora
chegaram a 7,8%.
- Se
os brasileiros continuarem assim…
-
Podem ficar como os nórdicos. Você sabia que 72% da população da Noruega é de
ateus ou agnósticos? Na Dinamarca é pior: 80%. ,E na Suécia, um horror: 85%!
- Os
números são altos, mas as populações destes países são pequenas.
-
Pois na China só cerca de 20% das pessoas crê num deus. Quando eles dominarem o
mundo de vez…
-
Isso me dá um pouco de medo. Eu me dei bem com o império romano, não me saí mal
com o inglês e me mantive por cima com o norte-americano. Mas com o império
chinês…, não sei, não…
Com
certo ar sádico, Mazda começa a cantar, apontando os indicadores para cima:
-Ai,
ai, ai, ai, ai-ai-ai, tá chegando a hora… A China já vem, chegando meu bem, é
hora de ir embora…
-Ir
embora? Não seja radical.
-Mas
é isso mesmo, meu chapa. Se não acreditam em nós, desaparecemos. Lembra de
Nammu, Dagon, Anath e Molech?
-Lembro,
claro.
-
Pois eles desapareceram como fumaça. E também Marduk, Damona, Ésus, Dervones e
Nebo; e Yau, Drunemeton, Inanna e Enlil; e Deva, Borvo, Grannos, Mogons e
Sutekh, o deus do vale do Nilo.
- É
mesmo…
-
Mesmo os deuses desta festa estão quase transparentes. É que pouca gente crê
neles. Zeus e Toth, por exemplo, são mais folclore que religião. E eu só
sobrevivo por conta de uns duzentos mil adeptos. Uma mixaria. Meus dias estão
contados…
A
esta altura, todos os outros deuses já cercavam os dois deuses únicos. E tinham
semblantes preocupados. Então todos deram as mãos e Deus (ou Javé, ou Alá,
dependendo de sua preferência), para levantar o moral da turma, puxou uma
oração que era assim:
“Homem
nosso que estais na terra,
santificado seja o nosso Nome,
chegue a vós o nosso Reino,
e seja feita a nossa vontade
assim no céu como na Terra.
A oração de cada dia nos dai hoje,
e perdoai as nossas ofensas
assim como nós perdoamos
a quem nos tem desprezado.
Não nos deixeis cair em esquecimento
mas livrai-nos do limbo,
Amém.”
santificado seja o nosso Nome,
chegue a vós o nosso Reino,
e seja feita a nossa vontade
assim no céu como na Terra.
A oração de cada dia nos dai hoje,
e perdoai as nossas ofensas
assim como nós perdoamos
a quem nos tem desprezado.
Não nos deixeis cair em esquecimento
mas livrai-nos do limbo,
Amém.”
José
Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela
USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em
1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho
de Barrabás.
Publicado em 6 de
junho de 2012 no jornal Correio do Brasil.
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