Publicado em 23 de janeiro de 2013 no blog do Marcelo Semer.
“Nossa jornada não estará completa enquanto nossos irmãos e irmãs gays não forem tratados como todas as outras pessoas perante a lei –pois, se somos verdadeiramente criados iguais, então com certeza o amor que dedicamos uns aos outros também deve ser igual”.
Em um discurso repleto de forte simbolismo, o presidente Barack Obama inaugurou nessa semana sua segunda gestão na Casa Branca, inserindo o casamento homoafetivo como um dos grandes débitos dos direitos civis.
Sofrendo riscos políticos, com uma popularidade que já não está alta e uma forte campanha contrária de grupos religiosos, o presidente François Hollande também impulsionou a questão apresentando projeto para o reconhecimento do casamento na França. E José “Pepe” Mujica, no Uruguai, incluiu o tema em um pacote anticonservador mais amplo, marca de sua passagem libertária pelo poder.
E o Brasil, por onde anda?
Na mesma semana da conclamação de Obama pela igualdade na orientação sexual, o outrora liberal Rio de Janeiro aprovava uma lei de “resgate de valores morais”, proposta pela deputada Myriam Rios, porta-bandeira da bancada religiosa.
Uma importante estratégia de combate à homofobia foi abandonada antes mesmo de começar nas escolas públicas em razão de críticas conservadoras e acabou virando tema de campanha eleitoral. Por incrível que possa parecer, deputados federais discutem, em pleno século 21, um projeto de lei que autoriza a “cura de gays”.
Onde foi que nos perdemos?
Como podemos estar trafegando tão abertamente na contramão?
Esse moralismo não é nocivo porque pretende simplesmente instaurar ou resgatar valores –mas porque quer fazer com que o Estado escolha alguns deles para impor ao conjunto de seus cidadãos.
Quando Myriam Rios fala em “valorizar a família”, como em geral ocorre com parlamentares da fé, vitamina o preconceito contra tudo o que entende por “anormal” ou o que desvia do seu “padrão cristão”. Não à toa, como outros integrantes da “bancada da moral” confunde expressa e maliciosamente pedofilia com homossexualidade.
Na democracia, o pluralismo impede que o Estado imponha um determinado comportamento moral ou que puna quem quer seja por praticar outros que não afetem terceiros.
O “moral”, dentro do estado democrático, é construir a igualdade.
A dignidade humana, que na Constituição é um valor fundante, iluminando direitos e obrigações, relações públicas ou privadas, impõe a consideração de todos como seres humanos com iguais direitos à sua realização pessoal –inclusive na busca da felicidade.
Mas a igualdade exige ainda uma firme luta contra o preconceito, que vitima cada vez mais homossexuais, em bárbaras e covardes agressões à luz do dia. Também isso faz parte da luta contra a desigualdade –país rico é país sem preconceito, deve dizer a propaganda oficial.
Governo e Congresso patinam no tema do casamento gay, que só foi reintroduzido pelo Judiciário, curiosamente o mais tradicionalista dos poderes.
É certo que não é pequena a distância entre o discurso e a prática de Obama –o aumento de deportações de imigrantes é uma entre tantas de suas contradições. O presidente norte-americano também tem uma situação partidária mais simples do que a brasileira –afinal, por lá, os republicanos não fazem parte da base de sustentação do governo.
Mas ainda assim, pela força do simbolismo, as portas que ele pode abrir e os comportamentos violentos que pode frear, já estava na hora de a presidenta Dilma fazer coro com seus parceiros democratas e socialistas nessa luta pela ampliação dos direitos civis.
A história certamente lhe dará razão.
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