... O hedonismo feuerbachiano supõe a redução da felicidade
ao único real possível e não a mundos hipotéticos situados além da morte: a
imanência contra a transcendência, os sentidos contra a essência, este mundo
contra o além. Podemos ver aqui como que o primeiro princípio de uma filosofia
hedonista: rematerializar a vida. Nessa hipótese, Feuerbach escreve: “Se a
essência do homem é a sensibilidade e não um abstrato fantasmático – o “espírito”
-, todas as filosofias, todas as religiões, todas as instituições que
contradizem esse princípio não são apenas errôneas, são também fundamentalmente
corruptoras. Se você quer melhorar os homens, torne-os felizes; mas, se quer torná-los
felizes, vá as fontes de todas as felicidades, de todas as alegrias – aos sentidos.
A negação dos sentidos está na fonte de todas as loucuras, maldades e doenças
que povoam a vida humana. A afirmação dos sentidos é a fonte da saúde física,
moral e teórica. A renúncia, a resignação, a abnegação, a abstração tornam o
homem amargo, insatisfeito, infame, lúbrico, covarde, avaro, invejoso,
sorrateiro, mau; o prazer dos sentidos, ao contrário, torna sereno, corajoso,
nobre, franco, expansivo, compassivo, livre, bom. Todos os homens são bons na
alegria, maus na tristeza; e a tristeza provém justamente de abstrairmos os
sentidos, seja voluntária ou involuntariamente”. Por certo, em muitos trechos
as páginas de Feuerbach cheiram a o século XVIII e seu quinhão de otimismo
beato e de resolução dos problemas pelo coletivo. A confiança na humanidade
aparece nos lugares-comuns veiculados pelo Século das Luzes e vincular a problemática
da felicidade à do coletivo manifesta uma nítida marca do século XVIII.
Todavia, o texto de Feuerbach vale pelo que anuncia e pelas intuições que
revela. Assim o sensualismo, o monismo materialista, a preocupação biológica e
fisiológica, o hedonismo e as teses que reencontramos em Freud sob a rubrica
alienação, sublimação ou complexos.
...
Págs. 214 e 215.
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