por Mauro Santayana.
É sempre bom repetir a constatação de Israel Pinheiro: em política, só são possíveis as soluções naturais. Embora vivamos um tempo em que a atividade política é vista como delito, sem que houvesse política estaríamos ainda no paleolítico, em pequenos bandos assustados, disputando, a cada minuto, com os outros bichos, a sobrevivência do minuto seguinte.
O ministro Joaquim Barbosa pode afirmar que sua decisão foi fundamentada na jurisprudência do STF, e na situação peculiar da Ação Penal 470, como fez, mas – como ocorre em todos os atos humanos – a sua escolha foi política.
Ninguém sabe, é certo, o que se passa na cabeça do outro, mas é provável que o Ministro tenha meditado as conseqüências do deferimento – no caso, de sua responsabilidade pessoal – do pedido do Procurador Geral da República. Decretada que fosse a prisão, todos os réus – entre eles parlamentares em pleno exercício do mandato – seriam recolhidos ao cárcere. Estaria tudo aparentemente bem, mas sob a aparência a crise explodiria, mais cedo ou mais tarde, tumultuando o processo sucessório que se inicia em fevereiro.
O conflito entre o STF e o Parlamento, que vem sendo armado há algum tempo, é conseqüência da erosão de nosso sistema republicano. O Parlamento, de um modo geral, tem sido claudicante frente ao poder executivo, que se tornou, a partir do governo militar, o único legis dator, mediante o AI-5 e, em seguida, na restauração civil, por intermédio das medidas provisórias e das emendas constitucionais impostas pelo relho e pela cenoura. Deixaram, os congressistas, de regulamentar, a tempo, dispositivos cruciais da Carta Política, entre eles o artigo 170, que tratava da Ordem Econômica. O vazio foi ocupado pelo STF, que passou a legislar, provocado pelas exigências da realidade.
Toda a estrutura do estado está combalida, porque nos faltou serenidade a fim de elaborar uma Constituição que firmasse o seu objetivo na realidade histórica. Ao enumerar os dispositivos de defesa – necessária – dos cidadãos, faltou-lhe cuidar de sua própria defesa. Assim, não foi difícil, com as emendas posteriores, inseminá-la do instituto da reeleição; anular-lhe os cuidados na defesa da soberania nacional; revogar os direitos sociais e trabalhistas. Fernando Henrique conseguiu revirá-la ao avesso.
Agiu com serenidade e bom senso o Presidente do STF, mesmo porque seguiu a orientação anterior do plenário, na aprovação de voto do ex-ministro Eros Grau, contra a qual ele então se manifestara.
Desarma-se, assim, a crise. Dá-se ao tempo político a incumbência de administrá-la com serenidade e sem o prejuízo da justiça.
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