Publicado em 13 de novembro de 2012 no Blog do Sakamoto
Por Leonardo Sakamoto
O governo Haddad deve acabar com a taxa cobrada pela inspeção veicular obrigatória em São Paulo já no ano que vem, cumprindo uma promessa de campanha. Muito já foi escrito sobre esse ato populista a ser feito com dinheiro da coletividade. Pois, quem não tem carro terá que pagar por algo sob a justificativa de que o ar que respiramos é de todos.
Se o governo quer desonerar os proprietários de veículos com motor a combustão, sugiro que mande a primeira fatura para a indústria automobilística. Empresas de cigarro e lanchonetes são responsabilizadas pelos danos causados por seus produtos, por que não a de carros? Comercial de nicotina na TV é censurado e de monóxido de carbono, não?
Que tal as montadoras bancarem a revisão periódica dos carros, motos e caminhões que nos entregam, uma vez que fomentam o nosso consumismo maluco através de anúncios questionáveis?
Pagar pela inspeção veicular seria uma boa forma de empresas multinacionais devolverem um pouco da ajuda de mãe que têm recebido do poder público. Enviariam um pouquinho menos de royalties para ajudar suas matrizes em apuros lá fora? Sim, mas contribuiriam em fazer com que o céu azul que aparece em seus comerciais seja de verdade e não Photoshop. Porque o que vejo em minha cidade é uma faixa de meleca cinza que me faz chorar de emoção.
Também mandaria uma segunda fatura para a indústria de combustíveis. Temos que conviver no Brasil com índices altíssimos de coisas saudáveis, como enxofre, sendo lançados ao ar enquanto que, em países europeus, as taxas são bem menores. Até porque, como sabemos, a vida de um francês vale mais do que a dos bugres daqui.
Não temos a aplicação decente de uma política de compensação ambiental que considere o número de carros vendidos e reverta parte dos lucros dos impérios automobilísticos em recursos para o transporte público ou para mitigação dos impactos causados no ar, na água e na terra. Afinal de contas, fala-se da geração de empregos com a produção industrial, mas não dos impactos silenciosos que vão ceifando vidas ao longo de anos.
Não estou dizendo que o sujeito que não cuida do seu vulcãozinho pessoal de fumaça é inimputável, mas se tivermos que procurar responsáveis e mandar a conta, a indústria está bem acima do cidadão comum sobre rodas – isso sem falar daquele que anda a pé ou de transporte coletivo. Ah, mas a indústria só atende a uma demanda. Rá. Faz-me rir.
E, por fim, a inspeção veicular não vai ser a panacéia. Vamos expulsar Fuscas, Brasílias, Variants, 147s, caminhões velhos de circulação (ou seja, eliminar o meio de locomoção da ralé), mas as propagandas que anunciam carros grandes e potentes, beberrões de gasolina e diesel na televisão continuarão povoando o imaginário, sendo adquiridos pelas classes abonadas e financiando ambientalismos. Individualmente poluem menos. Coletivamente, são um problema. Mas pensar coletivamente não está em nosso DNA como sociedade, né? Viva meu carro, dane-se o ônibus e o resto.
O ritmo de destruição do meio foi acelerado para atender a consumidores, mas não a cidadãos. E vem cobrando um preço alto, cuja fatura será paga por aqueles que ainda são pequenos. A cidade está envolta em um bizarro chumaço escuro. É um modelo diferente de urbanidade que eu quero. Um em que não tenha que ficar angustiado por causa do pôr-do-sol estranhamente avermelhado. Trocar uma sociedade estritamente consumista, em que o “eu sou” se confunde com o que “eu tenho”, leva tempo. Talvez o meio ambiente não tenha esse tempo.
Estamos morrendo aos poucos. E, agora, pagaremos todos para atestar isso.
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