quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Marighella – O que é um herói?

Marighella – O que é um herói?
publicado em 30/8/2012 em http://revistaforum.com.br/blog/2012/08/marighella-o-que-e-um-heroi/

Há várias definições no dicionário Houaiss nas quais nosso personagem se encaixaria. Mas arrisco minha própria definição: herói é alguém que está fora da curva; “feito de outro barro”, como disse um dia um índio do Oiapoque

Por Artionka Capiberibe
 
Eu desconfiava: [...]
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.
(Carlos Drummond de Andrade, Igual-desigual, A Paixão Medida)

Essa semana, assisti ao filme “Marighella”, um documentário cuidadoso com os dados históricos e plasticamente belo, produzido e dirigido por Isa Grinspun Ferraz, sobrinha daquele que é o personagem central da trama, Carlos Marighella. O filme é instigante, faz pensar no passado, no presente, em ideais, sonhos de um país (de um mundo) diferente, em pessoas ímpares, tantas coisas que um texto só é insuficiente para esgotar tudo, por isso, vou tentar me concentrar no tema do herói.

Sendo filha de combatentes da ALN (Ação Libertadora Nacional), cresci ouvindo falar de Marighella, de como enfrentou duas ditaduras; de como queria acabar com as desigualdades sociais; de como sabia liderar outros que tinham o mesmo desejo que o seu; de como era corajoso, forte, envolvente e poeta. Não por acaso tenho um irmão que se chama Carlos, em sua homenagem. Ele sempre fez parte do panteão de heróis da minha família, que inclui, na ordem de primeira grandeza: Che Guevara e Camilo Cienfuegos, este também homenageado como segundo nome do meu irmão Carlos. Marighella é para nós uma espécie de herói particular.

Fui ao cinema acompanhada de uma amiga, Carmen, para quem Carlos Marighella era pouco conhecido, tendo-lhe sido apresentado apenas na graduação em ciências sociais. A conversa depois do filme, deixou claro que meu herói só era de foro privado por falta de espaço público. Carmen me disse, pegando o gancho nas falas da película: “ele é como Tiradentes, é um mártir, dos tempos recentes, mas ainda desconhecido”. Fiquei pensando no ainda, em quanto tempo AINDA levaria para que ele fosse estudado nas escolas como um herói nacional, desconfio (ou espero) que a mobilização em torno da Comissão da Verdade e da abertura dos arquivos da ditadura possa acelerar este processo, revelando também os vilões da história. Mas aqui quero introduzir a questão que dá título a este texto: o que é um herói? Há várias definições no dicionário Houaiss nas quais nosso personagem se encaixaria. Mas arrisco minha própria definição: herói é alguém que está fora da curva; “feito de outro barro”, como disse um dia um índio do Oiapoque; capaz de inspirar os outros e de ouvi-los; corajoso, altruísta; que consegue enxergar à frente de seu tempo; alguém que não nega as contradições próprias do ser humano (inclusive as suas).

Um herói não é um santo. E Marighella não o era, mantendo-se sempre radical em sua forma de pensar e agir.

Mais ainda, um herói não é um santo. E Marighella não o era, mantendo-se sempre radical em sua forma de pensar e agir. Isso aparece no filme em diferentes situações, como na fala de Antônio Cândido contando como fora atacado pela revista Fundamentos, dirigida por Marighella, com o epiteto “Trotskista” que, como ele explica, na época era usado como um terrível xingamento e não como uma vertente do comunismo oposta ao stalinismo. E, sobretudo na atuação direta do líder como guerrilheiro, seja assumindo a ação do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, mesmo discordando de sua função estratégica, ou nas chamadas “expropriações das riquezas dos grandes capitalistas” (como assaltos a bancos e ao trem pagador). Seu radicalismo não era, contudo, de um dogmatismo empedernido, pois, se assim não fosse, ele não teria abandonado o stalinismo após saber dos crimes de Stálin. Manteve-se sempre comunista, mas a revolução que aspirava era construída a partir da realidade brasileira e não da importação de modelos outros.

Parafraseando Cazuza, eu diria que meus heróis não “morreram de overdose”, morreram torturados, exterminados, aniquilados pelas forças do Estado e “meus inimigos [ainda] estão no poder”. Fato incrível, porque hoje no poder está sentada uma ex-guerrilheira. No entanto, ela está cercada pelas mesmas figuras retrógradas de antanho e fazendo um governo que permite o massacre de lideranças populares e indígenas, que, em nome de um duvidoso e antiquado modelo de desenvolvimento, sacrifica o meio ambiente e, com isso, o presente das populações locais e o futuro das novas gerações. O que entristece e decepciona é ver que este governo não incomoda a quem deveria incomodar, é apenas uma reedição moderna do que vem sendo feito há séculos no país, a diferença é que agora sobram algumas migalhas a mais aos mais pobres. Definitivamente, a presidenta não se enquadra na minha definição de herói.

Contudo, da geração que sonhou e lutou junto com Marighella há ainda muitos vivos, alguns deles presentes no filme e tão personagens deste quanto Marighella. Estes homens e mulheres continuam agindo para mudar o mundo tão injusto em que vivemos, atuando em várias frentes, como: no apoio às mães dos mortos injustamente nas periferias das metrópoles brasileiras; denunciando uma polícia militar sangrenta; brigando pela abertura dos arquivos da ditadura, a apuração da verdade dos crimes cometidos por esta, o resgate da memória daqueles que foram subjugados pelo Estado e a punição dos torturadores; advogando para movimentos sociais, movimentos estudantis e sindicatos; buscando fazer da educação um instrumento de criatividade e transformação; lutando por um desenvolvimento socioambiental e econômico sustentável; pelas chamadas minorias que vivem nos interiores e sertões do país e na Amazônia (ribeirinhos, parteiras tradicionais, índios, quilombolas); e por um Estado mais transparente e menos corrupto.

Estes são meus heróis, pois acredito que todos precisamos de heróis (até mesmo os mais céticos). A eles dedico este texto.

Artionka Capiberibe é antropóloga, professora da EFLCH-Unifesp, é autora de Batismo de fogo: os Palikur e o Cristianismo (Ed. Annablume).

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

“Não. Não é nosso foco”

Com as palavras do título a sra. Valéria Souza (não posso utilizar o título professora, por razões obvias), coordenadora do programa "Educação: Compromisso SP" (contradição?!?!), confirmou que este governo mediocre não considera importante que os jovens das classes econômicas menos favorecidas possam estudar de uma maneira adequada.

Para saber mais, acessem a notícia completa publicada na Rede Brasil Atual, é só clicar neste link: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/educacao/2012/08/coordenadora-confirma-que-governo-alckmin-nao-tem-politica-para-melhorar-a-qualidade-do-ensino-noturno

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A verdadeira blasfêmia no caso Pussy Riot

Por Slavoj Žižek, publicado em Dangerous Minds. Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

O que é uma modesta provocação obscena das Pussy Riot numa igreja, comparada com a acusação contra elas, esta gigantesca e obscena provocação do aparelho de Estado que escarnece de qualquer noção de lei e ordem decentes?

Para já, o resultado das medidas opressivas é que Pussy Riot se tornou um nome familiar literalmente em todo o mundo (Foto de Denis Bochkarev)

As Pussy Riot são acusadas de blasfêmia e de ódio à religião? A resposta é fácil: a verdadeira blasfêmia é a própria acusação do Estado, formulando como crime ou ódio religioso algo que foi claramente um ato político de protesto contra a claque governante. Recordem a velha ironia de Brecht na Ópera dos Três Vinténs: “O que é roubar um banco, comparado com fundar um banco?” Em 2008, Wall Street deu-nos a nova versão: o que é roubar um par de milhares de dólares, pelos quais se vai parar à cadeia, comparado com a especulação financeira que priva dezenas de milhares de pessoas das suas casas e poupanças, e é recompensada pela ajuda do Estado de grandeza sublime? Agora, temos outra versão, vinda do poder do Estado da Rússia: o que é uma modesta provocação obscena das Pussy Riot numa igreja, comparada com a acusação contra as Pussy Riot, esta gigantesca e obscena provocação do aparelho de Estado que escarnece de qualquer noção de lei e ordem decentes?

Será que o ato das Pussy Riot foi cínico? Há dois tipos de cinismo: o cinismo amargo dos oprimidos que desmascara a hipocrisia dos que estão no poder, e o cinismo dos próprios opressores que violam abertamente os seus próprios proclamados princípios. O cinismo das Pussy Riot é do primeiro tipo, enquanto o cinismo dos que estão no poder – porque não chamar a sua brutalidade autoritária de Prick Riot – é do muito mais nefasto segundo tipo.

Em 1905, Leon Trotsky caracterizou a Rússia czarista como “uma perversa combinação do látego asiático com a bolsa de valores europeia.” Será que esta designação não se aplica mais e mais também à Rússia de hoje? Não anuncia a subida da nova fase do capitalismo, capitalismo com valores asiáticos (que, evidentemente, nada tem a ver com a Ásia e tudo a ver com as tendências antidemocráticas no capitalismo global de hoje). Se entendemos cinismo como o pragmatismo rude do poder que se ri secretamente dos seus próprios princípios, então as Pussy Riot são o anti-cinismo incorporado. A sua mensagem é: as ideias contam. São artistas conceituais no nobre sentido da palavra: artistas que dão corpo a uma Ideia. Foi por isso que usaram balaclavas: máscaras de desindividualização, de anonimidade libertadora. A mensagem das suas balaclavas é que não interessa qual delas foi presa – elas não são indivíduos, são uma Ideia. E é por isso que são tamanha ameaça: é fácil prender indivíduos, mas tentem prender uma Ideia!

O pânico dos que estão no poder – exibido pela sua reação ridiculamente brutal e excessiva – é assim plenamente justificado. Quanto mais brutalmente atuam, mais importante se tornará o símbolo das Pussy Riot. Para já, o resultado das medidas opressivas é que Pussy Riot se tornou um nome familiar literalmente em todo o mundo.

É um dever sagrado de todos nós evitar que as corajosas Pussy Riot não paguem na carne o preço de se terem tornado um símbolo global.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Preguiça!!!!!

Filósofos fazem elogio à preguiça em encontro na Bienal

DOUGLAS GAVRAS EM COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"São os ociosos que transformam o mundo porque os outros não têm tempo algum", já diria o pensador francês Albert Camus (1913-1960). Partindo desse princípio o filósofo Vladimir Safatle e o escritor Antonio Cícero encerram o nono dia da Bienal do Livro com um debate sobre as virtudes da preguiça.

Figurante na lista dos pecados capitais, a preguiça é tida como um desvirtuamento da vida moderna.

O ócio seria incoerente com a necessidade de produzir e de se realizar através do trabalho.

Citando o poeta português Fernando Pessoa, Cícero lembrou que praticar a preguiça é fugir para uma dimensão em que a necessidade constante de produzir algo é substituída pela preguiça fértil, em que a arte e a poesia brotam da mente que não se cobra por um resultado. "Permitir-se ser preguiçoso, nesse sentido, é uma atitude libertadora. 'Sinto todo o meu corpo deitado na realidade', resumiu Pessoa."

Safatle, lembrou que a noção de trabalho e produtividade se deteriorou consideravelmente nos últimos anos. "Sofremos devido ao peso que damos ao trabalho, a estar ocupado. Ligamos o trabalho à necessidade de reconhecimento, como se estar constantemente ocupado fosse nosso modo de expressão e a satisfação pessoal, independente da opinião alheia, fosse vista como culpa", disse.

"Todos vocês aqui nesta plateia padecem do mesmo desconforto: Vocês trabalham mais que seus pais, ganham menos, têm menos segurança e, por alguma razão, se sentem mais realizados do que eles", provocou Safatle.

Capitalismo em crise

"Em toda parte estamos assistindo a uma epidemia de comportamentos criminosos e corruptos nos vértices do capitalismo. Os escândalos bancários não representam exceções nem erros, são fruto de fraudes sistêmicas, de uma avidez e arrogância sempre mais difundidas."

Professor americano Jeffrey Sachs, economista que outrora flertou com o neoliberalismo, consultor do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização das Nações Unidas, entre outros atributos,

sábado, 4 de agosto de 2012

E, Roberto Piva...

Já que estamos em um período eleitoral, porque não lembrar o que o poeta transgressor e genial Roberto Piva solicitava no seu

Manifesto Utópico-Ecológico em Defesa da Poesia & do Delírio

Invocação
Ao Grande deus Dagon de olhos de fogo,
ao deus da vegetação Dionisos,
ao deus Puer que hipnotiza o Universo com seu ânus de diamante,
ao deus Escorpião atravessando a cabeça do Anjo,
ao deus Luper que desafiou as galáxias roedoras,
a Baal deus da pedra negra,
a Xangô deus-caralho fecundador da Tempestade.

Eu defendo o direito de todo ser Humano ao Pão & à Poesia. Estamos sendo destruídos em nosso núcleo biológico, nosso espaço vital & dos animais está reduzido a proporções ínfimas quero dizer que o torniquete da civilização está provocando dor no corpo & baba histérica o delírio foi afastado da Teoria do Conhecimento & nossas escolas estão atrasadas pelo menos cem anos em relação às últimas descobertas científicas no campo da física, biologia, astronomia, linguagem, pesquisa espacial, religião, ecologia, poesia-cósmica, etc., provocando abandono das escolas no vício de linguagem & perda de tempo em currículos de adestramento, onde nunca ninguém vai estudar Einstein, Gerard de Nerval, Nietzsche, Gilberto Freyre, J. Rostand, Fourier, W. Heinsenberg, Paul Goodman, Virgílio, Murilo Mendes, Max Born, Sousandrade, Hynek, G. Benn, Barthes, Robert Sheckley, Rimbaud, Raymond Roussel, Leopardi, Trakl, Rajneesh, Catulo, Crevel, São Francisco, Vico, Darwin, Blake, Blavatsky, Krucënych, Joyce, Reverdy, Villon, Novalis, Marinetti, Heidegger & Jacob Boehme & por essa razão a escola se coagulou em Galinheiro onde se choca a histeria, o torcicolo & repressão sexual, não existindo mais saída a não ser fechá-la & transformá-la em Cinema onde crianças & adolescentes sigam de novo as pegadas da Fantasia com muita bolinação no escuro.

Os partidos políticos brasileiros não têm nenhuma preocupação em trazer a UTOPIA para o quotidiano. Por isso em nome da saúde mental das novas gerações eu reivindico o seguinte:

1 - Transformar a Praça da Sé em horta coletiva & pública.

2 - Distribuir obras dos poetas brasileiros entre os garotos (as) da Febem, únicos capazes de transformar a violência & angústia de suas almas em música das esferas.

3 - Saunas para o povo.

4 - Construção urgente de mictórios públicos (existem pouquíssimos, o que prova que nossos políticos nunca andam a Pé ) & espelhos.

5 - Fazer da Onça (pintada, preta & suçuarana) o Totem da nacionalidade. Organizar grupos de Proteção à Onça em seu habitat natural. Devolver as onças que vivem trançadas em zoológicos às florestas. Abertura de inscrições para voluntários que queiram se comunicar telepaticamente com as onças para sabermos de suas reais dificuldades. Desta maneira as onças poderiam passar uma temporada de 2 semanas entre os homens & nesse período poderiam servir de guias & professores na orientação das crianças cegas.

6 - Criação de uma política eficiente & com grande informação ao público em relação aos Discos-Voadores. Formação de grupos de contato & troca de informação. Facilitar relações eróticas entre terrestres & tripulantes dos OVNIS.

7 - Nova orientação dos neurônios através da Gastronomia Combinada & da Respiração.

8 - Distribuição de manuais entre sexólogas (os) explicando por que o coito anal derruba o Kapital

9 - Banquetes oferecidos à população pela Federação das Indústrias.

10 - Provocar o surgimento da Bossa-Nova Metafísica & do Pornosamba. O Estado mantém as pessoas ocupadas o tempo integral para que elas NÃO pensem eroticamente, libertariamente. Novalis, o poeta do romantismo alemão que contemplou a Flor Azul, afirmou: "Quem é muito velho para delirar evite reuniões juvenis. Agora é tempo de saturnais literárias. Quanto mais variada a vida tanto melhor ".

Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 poetas hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Foi professor na rede de ensino público, produtor de shows de rock e é um dos três únicos poetas brasileiros a ser citado no Dicionário Geral do Surrealismo publicado na França.

Detesto seguir alguém assim como detesto conduzir.
Nietzsche, in: A Gaia Ciência

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Si no imagina, el pensamiento ignora
Mario Luzi

Lembrando sempre Bakunin

"É preciso lembrar quanto e como as religiões embrutecem e corrompem os povos? Elas matam neles a razão, o principal instrumento da emancipação humana e os reduzem à imbecilidade, condição essencial da escravidão. Elas desonram o trabalho humano e fazem dele sinal e fonte de servidão. Elas matam a noção e o sentimento da justiça humana, fazendo sempre pender a balança para o lado dos patifes triunfantes, objetos privilegiados da graça divina. Elas matam o orgulho e a dignidade humana, protegendo apenas a submissos e os humildes. Elas sufocam no coração dos povos todo sentimento de fraternidade humana, preenchendo-o de crueldade.

Todas as religiões são cruéis, todas são fundadas sobre o sangue, visto que todas repousam principalmente sobre a idéia do sacrifício, isto é, sobre a imolação perpétua da humanidade à insaciável vingança da divindade. Neste sangrento mistério, o homem é sempre a vítima, e o padre, homem também, mas homem privilegiado pela graça, é o divino carrasco. Isto nos explica por que os padres de todas as religiões, os melhores, os mais humanos, os mais doces, têm quase sempre no fundo de seu coração - senão no coração, pelo menos em sua imaginação, em seu espírito - alguma coisa de cruel e de sanguinário."
 
In: Deus e o Estado (1871), Mikhail Bakunin (1814-1876).
 
Para quem se interessar, o texto integral pode ser encontrado em:
 
 

Por isso precisamos de uma nova polícia, não militarizada!

Ao deparar com a notícia que transcrevo abaixo, percebo de uma forma transparente e com toda a convicção o motivo pelo qual acredito na necessidade de discutir, de debater e de, com certeza, termos a coragem de destruir esta instituição fascista, criada na ditadura militar, denominada "polícia militar".
Para os reacionários, fascistas e outros seres ideológicamente alinhados com os "paulistas da elite branca, separatista, golpista e elitista", informo que a notícia foi publicada em um dos jornalões do PIG - Partido da Imprensa Golpista e o fato ocorreu neste estado "maravilhoso", "governado desde sempre pelos tucanos". Mas, vamos à notícia:

Pai manda para a cadeia 5 PMs que mataram o seu filho

Eletricista investigou por conta própria execução de rapaz pela polícia: ‘Ele nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência’

Bruno Paes Manso – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – Na segunda-feira, cinco policiais militares do 14.º Batalhão (Osasco) tiveram prisão temporária decretada por suspeita de executar César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos, na madrugada de 1.º de julho na zona oeste de São Paulo. O pai de César, Daniel Eustáquio de Oliveira, de 50, não acreditou na versão de “resistência seguida de morte”. Pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso, dando subsídios para que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) pedisse a prisão dos PMs. Oliveira contou sua história ao Estado.

“Trabalhei (na noite do crime) até a 1 hora. Sou eletricista da prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina. Pedi para ir embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à 1h30. Naquele sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do primo dele. Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava tear em uma indústria têxtil; o Ricardo era repositor em supermercado. Chegariam depois das 3h. Fui dormir.

Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital Regional de Osasco, o César sofreu um acidente.’ Chego no hospital e me apresento. O atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Eu falei: ‘Meu filho morreu’. E comecei a chorar. Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de tentarem roubar meu filho, deram cinco tiros neles. O atendente fala: ‘Peraí, não foi um bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei de chorar na hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve uma perseguição, ele resistiu à prisão, houve troca de tiro e seu filho morreu, chegou morto e o rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito feio e grave. Vou provar que meu filho não fez isso’.

Confio no César. Tinha o coração bom, nunca gostou de violência. Saí do hospital indignado e fui para a cena do crime, analisando tudo. Como eu trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi erros grotescos logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar ninguém.

Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM responde: ‘Segundo os policiais, os dois meliantes viram a viatura e empreenderam fuga. O garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e levantou atirando’. Eu olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou perito. Mas você não acha que tem coisa errada aqui?’

Indícios. Segundo os PMs, meu filho empreendeu fuga. Estranho: se ele estivesse fugido, numa CB 300, você acha que a viatura o alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho estava fugindo com o garupa atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a moto na frente. Por que meu filho está com dois tiros no peito, um na lateral do tórax, um na virilha e outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava com três tiros na perna pela lateral e não por trás?

Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perder o controle quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está intacta.

Quarto: se meu filho estava fugindo, para ele perder o controle, tem de ter marca da frenagem da moto e da polícia. Não tem.

Quinto: Se os meninos tivessem caído com a moto, eles estariam machucados. Os meninos não tinham hematomas.

Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não foram. Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão.

Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto seriam em paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM começou a analisar a cena. Olhou para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m…’.

Chegando ao DHPP, peguei o BO, com várias divergências. A cena do crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena eles conseguiram. Eu fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar comigo. ‘P…, você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Eu questionei. O que esse morador de Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno?

Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei que meu filho é inocente e os policiais me olharam daquele jeito, pensando ‘todos falam a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência. Passei cinco dias indo todo dia no DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu a cena do começo ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado por um policial. Por isso me ajudou.

Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de jeito nenhum. No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a gente passou a olhar a perícia e informações com outros olhos’. Na segunda-feira, meu advogado me telefona: ‘Foram executadas cinco ordens de prisão dos policiais que mataram seu filho’.

Sigo com medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo. Sei que corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’. Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência. Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha vida.”