sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Enquanto mundo discute casamento gay, Brasil aprova lei da moral

Publicado em 23 de janeiro de 2013 no blog do Marcelo Semer.

Nossa jornada não estará completa enquanto nossos irmãos e irmãs gays não forem tratados como todas as outras pessoas perante a lei –pois, se somos verdadeiramente criados iguais, então com certeza o amor que dedicamos uns aos outros também deve ser igual”.

Em um discurso repleto de forte simbolismo, o presidente Barack Obama inaugurou nessa semana sua segunda gestão na Casa Branca, inserindo o casamento homoafetivo como um dos grandes débitos dos direitos civis.

Sofrendo riscos políticos, com uma popularidade que já não está alta e uma forte campanha contrária de grupos religiosos, o presidente François Hollande também impulsionou a questão apresentando projeto para o reconhecimento do casamento na França. E José “Pepe” Mujica, no Uruguai, incluiu o tema em um pacote anticonservador mais amplo, marca de sua passagem libertária pelo poder.

E o Brasil, por onde anda?

Na mesma semana da conclamação de Obama pela igualdade na orientação sexual, o outrora liberal Rio de Janeiro aprovava uma lei de “resgate de valores morais”, proposta pela deputada Myriam Rios, porta-bandeira da bancada religiosa.

Uma importante estratégia de combate à homofobia foi abandonada antes mesmo de começar nas escolas públicas em razão de críticas conservadoras e acabou virando tema de campanha eleitoral. Por incrível que possa parecer, deputados federais discutem, em pleno século 21, um projeto de lei que autoriza a “cura de gays”.

Onde foi que nos perdemos?

Como podemos estar trafegando tão abertamente na contramão?

Esse moralismo não é nocivo porque pretende simplesmente instaurar ou resgatar valores –mas porque quer fazer com que o Estado escolha alguns deles para impor ao conjunto de seus cidadãos.

Quando Myriam Rios fala em “valorizar a família”, como em geral ocorre com parlamentares da fé, vitamina o preconceito contra tudo o que entende por “anormal” ou o que desvia do seu “padrão cristão”. Não à toa, como outros integrantes da “bancada da moral” confunde expressa e maliciosamente pedofilia com homossexualidade.

Na democracia, o pluralismo impede que o Estado imponha um determinado comportamento moral ou que puna quem quer seja por praticar outros que não afetem terceiros.

O “moral”, dentro do estado democrático, é construir a igualdade.

A dignidade humana, que na Constituição é um valor fundante, iluminando direitos e obrigações, relações públicas ou privadas, impõe a consideração de todos como seres humanos com iguais direitos à sua realização pessoal –inclusive na busca da felicidade.

Mas a igualdade exige ainda uma firme luta contra o preconceito, que vitima cada vez mais homossexuais, em bárbaras e covardes agressões à luz do dia. Também isso faz parte da luta contra a desigualdade –país rico é país sem preconceito, deve dizer a propaganda oficial.

Governo e Congresso patinam no tema do casamento gay, que só foi reintroduzido pelo Judiciário, curiosamente o mais tradicionalista dos poderes.

É certo que não é pequena a distância entre o discurso e a prática de Obama –o aumento de deportações de imigrantes é uma entre tantas de suas contradições. O presidente norte-americano também tem uma situação partidária mais simples do que a brasileira –afinal, por lá, os republicanos não fazem parte da base de sustentação do governo.

Mas ainda assim, pela força do simbolismo, as portas que ele pode abrir e os comportamentos violentos que pode frear, já estava na hora de a presidenta Dilma fazer coro com seus parceiros democratas e socialistas nessa luta pela ampliação dos direitos civis.

A história certamente lhe dará razão.

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