sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A televisão por Eduardo Galeano

(Ilustração de Quino)

I
Era um pulgueiro dos subúrbios, o mais barato que havia em Santa Fé e em toda a República Argentina, um galpão mambembe que caía aos pedaços, mas Fernando Birri não perdia nenhum filme ou cerimônia que era celebrada na escuridão daquele grandioso templo da infância.
Nesse cinema, o cinema Doré, Fernando viu uma vez uns episódios sobre os mistérios do Egito Antigo. Havia um faraó sentado em seu trono na frente de um poço. O faraó parecia adormecido, mas com um dedo enroscava a barba. Nisso, abria os olhos e fazia um sinal. Então o mago do reino pronunciava um esconjuro e as águas do poço se alvorotavam e se incendiavam. Quando as chamas se apagavam e as águas serenavam, o faraó se inclinava sobre o poço. Ali, nas águas transparentes, ele via tudo o que naquele momento estava acontecendo no Egito e no mundo.
Meio século depois, evocando o faraó e sua infância, Fernando teve uma certeza: aquele poço mágico, onde se via tudo o que acontecia, era um aparelho de televisão.

II
A televisão mostra o que acontece?
Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça: e nada acontece se a televisão não mostrar.
A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.

III
A tevê dispara imagens que reproduzem o sistema e as vozes que lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.
Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.

IV
Rosa Maria Mateo, uma das figuras mais populares da televisão espanhola, me contou essa história. Uma mulher tinha escrito uma carta para ela, de algum lugarzinho perdido, pedindo que por favor contasse a verdade:
- Quando eu olho para a senhora, a senhora está olhando para mim?
Rosa Maria me contou, e disse que não sabia o que responder.

V
Nos verões, a TV uruguaia dedica longos programas a Punta del Este.
Mais interessadas nas coisas do que nas pessoas, as câmaras chegam ao êxtase quando exibem as casas dos ricos que estão de férias. Estas mansões ostentosas se parecem aos mausoléus de mármore e bronze no cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires, que é a Punta del Este de depois.
Pela tela desfilam os eleitos e seus símbolos de poder. O sistema, que edifica a pirâmide social escolhendo pelo avesso, recompensa pouca gente. Eis aqui os premiados: são os usurários de boas unhas e os mercadores de dentes bons, os políticos de nariz crescente e os doutores de costas de borracha.
A televisão se propõe a adular os que mandam no rio da Prata, mas sem querer cumpre uma função educativa exemplar: nos mostra os picos culminantes e neles dilata a breguice e o mau gosto dos triunfantes caçadores de dinheiro.
Debaixo da aparente estupidez, existe a estupidez verdadeira.

(de O Livro dos Abraços, editora L&PM, 2006. Tradução Eric Nepomuceno)

Publicado em 14 de dezembro de 2012 no blog Socialista Morena.

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