domingo, 16 de dezembro de 2012

Lei dos meios de comunicação, Argentina e Brasil.

O Prolegômenos publica dois textos do VioMundo e que expressam a real opinião nossa.

Lei de Meios promove a liberdade de expressão, diz juiz

A sentença do juiz Horacio Alfonso é taxativa e afirma que não há argumentos para declarar a inconstitucionalidade da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, como pretendia o grupo Clarín. Alfonsi conclui sua decisão dizendo que “as restrições à concentração” não implicam “um prejuízo à liberdade de expressão” e enfatiza inclusive que um regime que articula os direitos dos operadores, ao invés de cercear a liberdade de expressão, está promovendo essa liberdade e não a cerceando. O artigo é de Irina Hauser, do Página/12.

Irina Hauser – Página/12, reproduzido na Carta Maior

Buenos Aires – Não houve 7D, mas o 14D se converteu no dia em que o juiz Horacio Alfonso decidiu levantar a medida cautelar que mantinha o grupo Clarín livre da obrigação de abrir mão de concessões para se adequar à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual.

A sentença é taxativa e afirma que não há argumentos para declarar a inconstitucionalidade dessa norma como pretendia o Clarín. Conclui dizendo que “as restrições à concentração” não implicam “um prejuízo à liberdade de expressão” e enfatiza inclusive que “um regime que articula os direitos dos operadores, ao invés de cercear a liberdade de expressão, está promovendo-a”.

Um aspecto interessante da resolução é o que reconhece ao Estado a faculdade de outorgar ou revogar as licenças, sem que isso implique que se possa invocar um direito adquirido.
“Tampouco se reconhece menosprezo concreto e atual a direitos constitucionais de natureza econômica”, acrescenta a decisão, o que não implica que, quando a lei for aplicada, a empresa não possa tentar demonstrar um prejuízo patrimonial e pedir um ressarcimento.

Alfonso adverte que o lapso de três anos transcorridos por efeito das medidas cautelares a favor do Clarín é “razoável para que, a esta altura, possa ter sido elaborado racional, conveniente e organizadamente um programa progressivo de adequação”.

O juiz, intimado pela Corte Suprema, teve que trabalhar fins de semanas e feriados.

Sua sentença determina voltar ao regime habitual de segunda a sexta, razão pela qual o Clarín anunciou que, no primeiro minuto hábil de segunda-feira (ainda que tenha cinco dias de prazo), apresentará recurso contra essa decisão que definiu o debate de fundo.

Enquanto o grupo sustenta que a mera apresentação desse recurso suspende a aplicação da sentença, o governo acredita em outra interpretação: a lei está reconhecida como constitucional e a cautelar está vencida, portanto, seria um contrassenso voltar aos efeitos que essa medida produzia.

A lei não fica suspensa, defende o Executivo, com a apresentação do recurso. Como é evidente, será um ponto de controvérsia, que seguramente dirimirá (a esta altura) a famosa Câmara Civil e Comercial, que há alguns dias outorgou a extensão da medida cautelar ao Clarín.

Uma variável que não é descartada pelo governo é apresentar um novo “per saltum” que questione a pretensão da cautelar eterna ou o impedimento da aplicação da lei.

Em sintonia com a decisão apresentada na última terça-feira pelo promotor Fernando Uriarte, a sentença de Alfonso diz que o Poder Judiciário não deve analisar “o mérito ou a conveniência” das “soluções legislativas” votadas pelo Congresso.

Para isso, teria que haver um enorme atropelo à Constituição, o que não é reconhecido neste caso. Uriarte disse que o Clarín usou o pleito de inconstitucionalidade só porque não gosta da lei.
Um ponto curioso é que, no momento de definir quem deverá pagar os honorários dos advogados, Alfonso resolve que cada um arcará com sua parte (Estado e Clarín), ainda que o habitual seja a parte derrotada pagar os custos.

Alfonso parte da base de que é preciso “prevalecer o direito de telespectadores e ouvintes e não o dos emissores, já que é crucial o direito do público de dispor de um acesso adequado às ideias e experiências sociais, políticas, estéticas e morais de outro tipo”.

E toma essa norma da Corte Suprema dos EUA que também sustenta que para garantir esses direitos é necessária “a prudente regulação e administração do espaço radioelétrico, dos âmbitos geográficos, humanos e técnicos”, que impõe “a necessária intervenção governamental na outorga de concessões”.

Desse ponto de vista, reconhece o Estado como instância responsável pela outorga de licenças a particulares, “o que não deve supor a configuração de direitos preexistentes”, esclarece. “Sua extinção (revogação) ou modificação está submetida ao critério e à apreciação da Nação”, segundo sua avaliação de “oportunidade, mérito ou conveniência”, diz ainda a sentença.

O texto recorda antecedentes da Corte que afirmam que as frequências devem ser submetidas ao controle e regulação do Estado.

O que subjaz é que as licenças não devem ser outorgadas como negócio, mas sim como parte de uma atividade pública na qual, segundo o juiz toma da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “é indispensável a pluralidade de meios de comunicação, a proibição de todo monopólio nesta área, qualquer que seja a forma pela qual se pretenda adotar, e a garantia da proteção à liberdade e independência dos jornalistas”.

Ao confirmar a constitucionalidade dos artigos 45 e 48 da Lei de Meios, que se referem à multiplicidade de licenças e aos limites de concentração, Alfonso diz que eles não afetam a liberdade de expressão nem os direitos patrimoniais da empresa.

A liberdade de expressão, diz, “não concede uma absoluta imunidade frente à responsabilidade pela excessiva concentração de propriedade aos operadores de telecomunicações, de modo que a existência de um regime que articula os direitos dos operadores nesta matéria não limita a liberdade de expressão, mas, pelo contrário, a promove”.

Tampouco, insiste, se demonstrou que a regulação sobre a concentração de concessões “não seja razoável”.

Especifica, inclusive, que parte do critério para “revogar os resgatar licenças ou concessões e dar-lhes uma nova atribuição deve ser “resguardar os direitos de pluralidade e de acesso à informação”.

Tampouco se reconhece um desrespeito aos direitos constitucionais de natureza econômica, como pode alegar o Clarín. Poderia eventualmente haver um reclamação patrimonial após a aplicação da lei e um pedido de reparação econômica. Até agora, Alfonso adverte que o grupo não demonstrou ou precisou o dano patrimonial que invocava em sua demanda.

Só ofereceu, descreve, “referências genéricas e carentes de qualquer vinculação a situações de prejuízo econômico específico e suscetível e medição”.

No final, Alfonso descarta as objeções ao artigo 41, que proíbe transferir licenças, considera que não vigora nesta etapa, onde estão previstos mecanismos de transição. E, para confirmar a vigência do artigo 161, que o fixa o prazo de desinvestimento de um ano, adverte: “não pode se prescindir o efeito gerado pelas medidas cautelares ditadas (…) transcorreram até hoje mais de três anos desde a publicação da norma, prazo razoável para que os querelantes tivessem elaborado racional, conveniente e organizadamente um programa progressivo de adequação”.

A sentença resgata a essência da nova lei e suas consequências.

“O interesse geral levado em contra pelo novo ordenamento responde ao objetivo de diversificar a oferta informativa e ampliar a possibilidade de exercer a liberdade de expressão à maior quantidade possível de meios de comunicação (…) a partir da elaboração e valorização de novas considerações de interesse geral e com a finalidade de resguardar os direitos de pluralidade e acesso à informação, serão consideradas revogadas ou resgatadas as licenças ou concessões conferidas a seus titulares anteriores devendo proceder-se à sua adequação e nova atribuição”.

Tradução: Katarina Peixoto

Um direito universal

da CartaCapital

A passagem de Frank La Rue pelo Brasil foi solenemente ignorada pela maioria dos meios de comunicação. Entende-se: o jornalista nascido na Guatemala, relator especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão das Nações Unidas, é um crítico duro e contumaz dos oligopólios de mídia no mundo e, em especial, na América Latina. Em uma viagem de três dias, La Rue reuniu-se com congressistas e militantes dos movimentos sociais organizados pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, coordenada pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA), também presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Participou de debates organizados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, esteve em ministérios, foi à Secretaria Geral da Presidência da República e à Universidade de Brasília.

Antes, contudo, entrou na cova dos leões. Na quarta-feira 12, logo cedo, o relator da ONU visitou a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a principal representante do oligopólio combatido por La Rue. Diante do presidente da entidade, Daniel Slaviero, e de meia dúzia de diretores, não se fez de rogado: criticou o monopólio de comunicação, pregou a democratização da informação e, para desconforto dos interlocutores, defendeu a aplicação da Lei de Meios na Argentina, o fantasma normativo que assombra os donos da mídia da região.

Na Câmara, declarou-se “perplexo” com a postura do Supremo Tribunal Federal, prestes a tornar ineficaz a classificação indicativa da programação de tevê graças a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo PTB, sob encomenda da Abert. “Não me lembro de outro país cuja Suprema Corte mostrasse alguma disposição em sacrificar o direito de crianças.” Por conta de um pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa, o julgamento no STF foi suspenso, no mês passado, quando quatro ministros (Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto, que adiantou o voto antes de se aposentar) tinham votado a favor dos interesses da Abert. Em meio a tantos compromissos, La Rue concedeu a seguinte entrevista a CartaCapital.

CartaCapital: O que é liberdade de expressão?
Frank La Rue: É um direito universal, um direito de todos, e não apenas das grandes corporações de mídia. Liberdade de expressão não é só o direito de liberdade de imprensa. É um direito de a sociedade estar bem informada, é uma questão de Justiça e cidadania vinculada diretamente ao princípio da diversidade de meios. Por isso, o monopólio de comunicação é contra, justamente, a liberdade de expressão e o exercício pleno da cidadania.

CC: O monopólio é uma regra na América Latina?
FLR: Na América Latina há um fenômeno histórico comum porque toda a estrutura de comunicação social foi pensada somente pela ótica comercial. E a comunicação é muito mais do que isso, é um serviço público. Nenhum problema em também ser um negócio, ninguém está contra isso, mas deve prevalecer o espírito do serviço à coletividade, feito com qualidade e independência, de forma honesta e objetiva. Isso só pode funcionar fora da estrutura de monopólio, dentro do princípio da diversidade e do pluralismo de meios.

CC: O que o senhor acha da transformação desses monopólios, a exemplo do Brasil, em estruturas partidárias de oposição?
FLR: Não importa se os meios de comunicação se colocam ou não na oposição a governos, como ocorre em parte da América Latina, isso é parte do conceito de liberdade de expressão. O problema é quando todos os meios, quando todas as corporações de mídia têm uma única posição. Esse tipo de monopólio, da opinião e do pensamento, é uma violação, inclusive, à liberdade de empresa. É concorrência desleal.

CC: Por isso o senhor tem declarado publicamente seu apoio à Lei de Meios baixada pelo governo Cristina Kirchner na Argentina?
FLR: Na Argentina apoiei a Lei de Meios, a norma, não o governo, porque esse não é meu papel. Lá foi feita uma divisão correta do espectro de telecomunicações de modo a quebrar o monopólio local (nas mãos do Grupo Clarín), em três partes: comercial, comunitária e pública. No Uruguai está em discussão uma lei semelhante, mas ainda mais avançada, pois fruto de um processo de amplo diálogo com a população. Isso é fascinante, o caminho do consenso nacional.

CC: Qual é o papel da internet no processo de quebra dos monopólios e democratização da informação?
FLR: É muito importante garantir o direito de acesso à informação, via inclusão digital, justamente para as populações mais pobres que vivem nos locais mais distantes. As novas tecnologias não podem ficar restritas a poucos, devem ser compartilhadas com todos. Todos devem ter acesso à informação e, ao mesmo tempo, difundir amplamente opiniões distintas sobre diversos temas.

CC: Mas como viabilizar?
FLR: É preciso, primeiro, romper o silêncio social derivado do monopólio, só assim será possível romper também os ciclos de impunidade e injustiça que derivam desse modelo.

CC: Como no caso do Brasil?
FLR: Não posso me pronunciar sobre o caso específico do Brasil, não estou em visita oficial ao País. Mas a posição dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) é muito importante no processo de inclusão digital e de neutralidade da internet. É fundamental mantermos esse diálogo de modo a proteger a neutralidade da rede, de garanti-la para todos. Porque há muita gente interessada em regular a internet, quase sempre em nome da segurança nacional, mas a verdadeira intenção é a de violar a privacidade do cidadão. Não sou contra, obviamente, combater o terrorismo. Não se pode usar, no entanto, o argumento como desculpa para controlar a internet. No caso da rede mundial de computadores, o marco legal é o dos direitos humanos.

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